Se você já teve a oportunidade de visitar um restaurante com a famosa estrela do Guia Michelin, a vida sorriu para você.

Neste material, vamos falar sobre a origem, as motivações, os benefícios e os resultados desta ação de branding que já dura 124 anos e como se mantém relevante e atual.

O Guia Michelin é uma publicação de prestígio no mundo da gastronomia, conhecido por classificar restaurantes com estrelas que indicam a qualidade da cozinha e da experiência proporcionada. Como é de se imaginar, uma experiência bastante concorrida.

Mas qual a história do Guia e porque ele é, possivelmente, a ação de branding mais longeva da história?

Como surgiu o Guia Michelin?

Em 1900, os irmãos André e Édouard Michelin, fundadores da empresa de pneus Michelin, na França, criaram um guia com o objetivo de promover o uso de automóveis (e, consequentemente, a venda de pneus) fornecendo informações úteis aos motoristas, como mapas, locais para abastecimento, oficinas mecânicas, hotéis e, claro, restaurantes.

Os irmãos André e Édouard Michelin

É importante ressaltar que, no início do século XX, carros ainda eram raros.

Em 1900, Paris contava com uma população de 2,7 milhões de pessoas, no auge da sua Belle Époque, com grande desenvolvimento cultural, urbano e tecnológico. A frota de veículos, no entanto, girava na casa de 3.000 unidades em circulação.

Como é de se imaginar, ter um carro era caro. Os proprietários eram aristocratas, empresários, industriais, médicos, advogados, engenheiros, entre outras profissões abastadas.

Ter um veículo era sinônimo de status e riqueza, mas também de gosto pela inovação, já que aquela era uma novidade tecnológica bastante recente. Não por coincidência, conseguimos ver esses valores ainda atrelados à sofisticação, elegância e experimentação dos restaurantes detentores de estrelas Michelin.

Os primeiros veículos na França começaram a ser vendidos na década de 1890. Panhard & Levassor em 1891, Peugeot também em 1891 e Renault em 1899.

A primeira edição do Guia teve uma tiragem de 35.000 exemplares e foi distribuída gratuitamente em garagens, concessionárias de veículos e postos de gasolina. E começou a fazer muito sucesso. Sabendo onde ir, os motoristas usavam mais o carro, que precisava de mais manutenção e, mais especificamente, pneus. Os pneus Michelin.

Guia Michelin – Edição de 1900

Em 1904, com o sucesso dos primeiros anos do Guia Michelin, os irmãos André e Édouard fazem a expansão para a Bélgica, primeiro país fora da França a receber o Guia. Em 1910, vieram Algéria e Tunísia, de colonização francesa e forte presença cultural da “nação-mãe”.

Em 1920, o Guia Michelin muda a estratégia

Os irmãos Michelin perceberam que o guia estava se tornando cada vez mais popular e decidem cobrar por ele, visando aumentar sua percepção de valor. Nessa mesma época, começaram a incluir críticas gastronômicas mais detalhadas e profissionais.

O preço de venda da primeira edição era de 7 francos (aproximadamente R$ 7) na época. Atualizando os valores, este valor estaria em torno de R$ 200 nos dias de hoje. Nada caro comparado ao valor dos carros na época que, corrigidos, custavam entre R$ 136.000,00 e R$ 342.000,00, dependendo do modelo.

Para quem não tinha Waze ou Google Maps, era uma “mão na roda”.

Surgem as cobiçadas estrelas Michelin

Em 1926, a introdução das Estrelas do Guia Michelin.

A classificação por estrelas foi introduzida, inicialmente, com uma única estrela para destacar restaurantes de alta qualidade. Em 1931, foi expandida para o sistema de três estrelas que conhecemos hoje:

  • Uma estrela: Um restaurante muito bom em sua categoria.
  • Duas estrelas: Uma cozinha excelente, que vale um desvio.
  • Três estrelas: Uma cozinha excepcional, que justifica uma viagem especial.

Os restaurantes não pagam para serem incluídos no Guia Michelin. A inclusão e a atribuição de estrelas são baseadas na qualidade culinária e na experiência gastronômica oferecida, avaliadas por inspetores anônimos. Este modelo de independência é fundamental para a credibilidade e a confiança no Guia Michelin.

Quais os critérios de avaliação para cada um dos níveis do Guia Michelin?

Para um restaurante conquistar uma, duas ou três estrelas no Guia Michelin, ele deve atender a critérios rigorosos de qualidade e excelência gastronômica. Os inspetores do Guia Michelin são conhecidos por serem detalhistas e criteriosos em suas avaliações. Abaixo estão os critérios gerais considerados para cada nível de estrela:

Uma Estrela ⭐️

Critério: “Uma cozinha muito boa na sua categoria”

  • Qualidade dos ingredientes: Uso de ingredientes frescos e de alta qualidade.
  • Habilidade culinária: Técnica de cozinha competente e bem executada.
  • Consistência: Desempenho consistente em todas as visitas e em todos os pratos.
  • Personalidade do chef: O chef deve demonstrar um estilo claro e pessoal na cozinha.

Duas Estrelas ⭐️⭐️

Critério: “Uma cozinha excelente, que vale um desvio”

  • Refinamento e habilidade: Nível mais alto de refinamento e técnica culinária.
  • Harmonização de sabores: Equilíbrio e profundidade dos sabores nos pratos.
  • Criatividade: Inovação e originalidade na preparação e apresentação dos pratos.
  • Regularidade e consistência: Excelência consistente ao longo do tempo e das visitas.

Três Estrelas ⭐️⭐️⭐️

Critério: “Uma cozinha excepcional, que vale uma viagem especial”

  • Qualidade suprema: Ingredientes de primeira classe e preparação exemplar.
  • Técnica e precisão: Técnica culinária impecável e precisão na execução.
  • Harmonia dos sabores: Complexidade e profundidade dos sabores, com perfeita harmonização.
  • Inovação: Capacidade de surpreender e oferecer experiências gastronômicas únicas.
  • Consistência absoluta: Manutenção da mais alta qualidade e experiência em todas as visitas.

Conquistar estrelas Michelin é um reconhecimento de excelência e um objetivo almejado por muitos chefs e restaurantes ao redor do mundo, refletindo um compromisso contínuo com a qualidade e a inovação na culinária. Esses valores também transbordam para a Michelin emprestando à marca, mesmo após 124 anos, os mesmos valores fundamentais que justificaram sua criação.

É preciso pagar para ter uma estrela no Guia Michelin?

Ao contrário de muitas premiações, um restaurante não precisa pagar para obter uma estrela Michelin.

O processo de avaliação do Guia Michelin é independente e baseado na qualidade gastronômica do restaurante. As estrelas são concedidas exclusivamente com base nos critérios de excelência culinária definidos pelos inspetores Michelin.

Processo de Avaliação

  • Visitas Anônimas: Inspetores do Guia Michelin visitam os restaurantes de forma anônima e pagam por suas refeições, garantindo uma experiência genuína como a de qualquer outro cliente;
  • Critérios de Avaliação: A avaliação se baseia em critérios rigorosos, como a qualidade dos ingredientes, a técnica culinária, a harmonização dos sabores, a consistência e a personalidade do chef;
  • Reuniões de Equipe: As estrelas são atribuídas após discussões e revisões detalhadas dos relatórios dos inspetores em reuniões de equipe, garantindo que a decisão seja justa e bem fundamentada.

Como todo critério subjetivo de avaliação, o Guia Michelin sofre críticas por supostos favorecimentos, falta de transparência nos critérios e uma espécie de tradicionalismo, dando mais ênfase às raízes clássicas francesas ou de alta gastronomia, em detrimento de outros estilos culinários.

Apesar de não ter custo de participação no prêmio, o investimento em melhoria e inovação por parte dos restaurantes é altíssimo, o que justifica o valor cobrado pela grande maioria deles. Esses investimentos se concentram em:

  • Ingredientes de alta qualidade;
  • Treinamento e manutenção de uma equipe de cozinha altamente qualificada;
  • Manutenção de um ambiente adequado e um serviço de alta qualidade.

O mundo da gastronomia vem mudando muito e o Guia Michelin vem se atentando a isso. As últimas cinco expansões foram na Ásia, valorizando estilos culinários distintos dos europeus (vide lista no final do artigo).

Alta qualidade na gastronomia vs. impacto ambiental nos pneus: paradoxo?

A escolha de bons insumos, o impacto positivo nas comunidades estimuladas pelos conceitos cada vez mais presentes de slow food, que respeito o pequeno produtor em defesa da qualidade do ingrediente, esbarra na atividade principal da Michelin.

A produção de pneus é uma fonte signicativa de poluição, com impacto ambiental grave para nosso planeta. Especialmente quando estamos falando da Michelin, a segunda maior produtora de pneus do planeta.

No entanto, assim como os valores de sofisticação e inovação perpetuados no seu Guia, a Michelin também investe em pautas no caminho de um mundo melhor.

Algumas delas:

  • Materiais sustentáveis: a Michelin está comprometida com a obtenção sustentável de borracha natural, trabalhando junto aos fornecedores para garantir práticas responsáveis e reduzir desmatamento, além de aumentar o uso de materiais reciclados em seus produtos, incluindo a própria borracha;
  • EcoDesign: desenvolvimento de pneus com baixa resistência ao rolamento, aumentando a eficiência do próprio pneu e do consumo de combustível e emissão de CO²;
  • Inovação em materiais: pesquisa e desenvolvimento de materiais de origem biológica para substituir os derivados de petróleo e o desenvolvimento de pneus sem ar, como o Michelin Uptis, que eliminam o risco de furos e aumentam durabilidade;
  • Gestão de resíduos: programas de reciclagem de pneus usados em colaboração com parceiros e implementação de princípios de economia circular;
  • Programas de responsabilidade social: iniciativas de bem-estar, educação e saúde ao redor de suas operações, desenvolvimento de talentos e treinamento para promover a diversidade e a inclusão dentro da empresa;
  • Iniciativas globais: alinhamento com ações globais de sustentabilidade, como o Pacto Global das Nações Unidas.
  • Inovação: investimento contínuo em P&D para desenvolvimento de noas tecnologias de pneus mais sustentáveis e eficientes, pneus específico para veículos elétricos para melhor de adequar ao peso e torque e soluções de mobilidade mais sustentáveis como car-sharing e transporte público seguro e de qualidade.

Todos esses valores, de alguma forma, podem ser atribuídos aos restaurantes e ao próprio Guia Michelin ao longo desses 124 anos de história.

Mais do que isso, é possível ter clareza em como uma fábrica de pneus, sua definição mais rasa e simples, alimenta um ícone de refinamento, estilo de vida e ousadia. Alimenta e se alimenta, igualmente, dos melhores ingredientes que um bom branding deve ter: valores reais, sustentáveis e lucrativos.

Cronologia da Expansão do Guia Michelin pelo mundo

1900 – França: Lançamento do primeiro Guia Michelin para a França.
1904 – Bélgica: Primeiro país fora da França a ter uma edição do Guia Michelin.
1910 – Algéria e Tunísia: Expansão para a África do Norte.
1920 – Itália e Espanha: Publicação dos primeiros guias para Itália e Espanha, logo após a mudança para guias pagos.
1923 – Grã-Bretanha e Irlanda: Primeiro guia para o Reino Unido e Irlanda.
1926 – Alemanha: Lançamento do guia alemão.
1931 – Suíça: Publicação do guia suíço.
1956 – Portugal: Lançamento do guia para Portugal.
1976 – Estados Unidos (Nova York): Primeiro guia Michelin para uma cidade fora da Europa, focado em Nova York.
2005 – Estados Unidos (Nova York): Retorno com um guia mais moderno e abrangente para Nova York.
2007 – Japão (Tóquio): Primeira incursão do Guia Michelin na Ásia, começando com Tóquio.
2008 – Hong Kong e Macau: Expansão contínua na Ásia com guias para Hong Kong e Macau.
2016 – Singapura: Lançamento do primeiro guia do Sudeste Asiático.
2017 – China (Xangai): Publicação do guia para Xangai.
2018 – Tailândia (Bangkok): Expansão para a Tailândia com um guia para Bangkok.

Os restaurantes estrelados no Brasil

⭐⭐ Duas estrelas (6)

São Paulo (3)

⭐⭐ D.O.M.
⭐⭐ Evvai (incluído em 2024)
⭐⭐ Tuju (incluído em 2024)

Rio de Janeiro (3)

⭐⭐ Oro
⭐⭐ Oteque
⭐⭐ Lasai (incluído em 2024)

⭐ Uma estrela (15)

São Paulo (12)

Huto
Jun Sakamoto
Kan Suke
Kinoshita
Maní
Picchi
Kuro (incluído em 2024)
Murakami (incluído em 2024)
Oizumi Sushi (incluído em 2024)
Tangará Jean-Georges (incluído em 2024)
Fame Osteria (incluído em 2024)
Kazuo (incluído em 2024)

Rio de Janeiro (3)

Cipriani
Mee
San Omakase Room (incluído em 2024)

Crédito da imagem destacada: Alê Virgílio / Divulgação