Lojas com filas na porta, produtos esgotados, uma nova série com informações nunca antes reveladas, correria para ter o último lançamento… estímulos, estímulos, estímulos. Tudo isso ajuda a construir uma marca viciante.

Antes de mais nada: você já parou para pensar no que está por trás de tudo isso?

Apesar dos meios e canais de comunicação terem se adaptado e se transformado nas últimas décadas, ainda existe algo que é perene e não muda: o funcionamento do cérebro humano e os estímulos que guiam nosso comportamento.

Igualmente, se você acha que suas decisões são racionais… trago novidades. Nosso processo de tomada de decisão é emocional, sempre. Mesmo quando analisamos critérios técnicos, o fazemos para nos sentirmos seguros quanto à escolha. Segurança é um sentimento.

O desejo nos movimenta

A grande força motriz do movimento humano é o desejo. Não há nada mais importante que o desejo para nos fazer parar o que estamos fazendo e tomar uma atitude em relação a algo. Esse é o papel da Dopamina.

Gerar desejo tira sua marca da commodity e faz com que você ganhe valor aos olhos da sua audiência. Para as marcas, é o Santo Graal. Ser avidamente desejada e transformar esse frenesi em uma reputação incrível e, logicamente, lucro. Aqui o jogo começa a ficar interessante – e potencialmente perigoso.

“O desejo não está ligado ao prazer. Ele está ligado a um objeto.” (Ivan Capelatto)

A Dopamina é o neurotransmissor que causa essa euforia, essa sensação do novo, essa sensação de MAIS. O problema é que a Dopamina não julga a qualidade. Ela só quer mais, mais, mais.

Comportamentos compulsivos de compra (calçados, eletrônicos, acessórios, bolsas, entre muitos outros) tem gatilhos similares às drogas e, assim como as drogas, o “barato” dura pouco e te leva para o próximo pico. Você compra o novo iPhone 14 Pro Max ultra blaster, atinge um pico de Dopamina com a sua compra e, uma semana depois, ele já está integrado na sua rotina e você utiliza essa maravilhosa tela e velocidade para descobrir o próximo gadget que te fará feliz por alguns momentos.

Reféns dos estímulos de uma marca viciante

Outra lógica ativada pela Dopamina é o funcionamento das redes sociais.

O capitalismo e os algoritmos entenderam exatamente como nosso cérebro funciona e nos entregam isso de mão beijada. Esses códigos são criados com cientistas, engenheiros, psicólogos e programadores que entendem muito sobre a natureza de funcionamento do cérebro do que qualquer outro grupo de pessoas no planeta.

As notificações não são previsíveis e isso tem um motivo claro. Quando você entende algum padrão, em pouco tempo aquilo deixa de ser interessante. Você já sabe que determinada coisa acontecerá tal dia, tal hora, zero surpresas, zero dopamina, zero desejo.

No entanto, se a lógica é imprevisível, você quer conferir o tempo todo se chegou uma nova curtida, um novo email, um novo comentário.

Lembra dos cassinos?

Se te veio à mente a lógica dos caça-níqueis, você acertou. Cada vez mais os cassinos dedicam área para essas maquininhas “inocentes”. São máquinas programadas para recompensar sem padrão e, por isso, você está sempre esperando o próximo prêmio… e apostando. Ela te prende e te consome.

O grande desafio das marcas é ativar esse desejo, mas com um importante ponto a trabalhar: a responsabilidade sobre o impacto disso na vida das pessoas. A sua marca pode se utilizar da dopamina e ser viciante?

Dessa forma, não tem problema você ser viciante, se entrega um conteúdo de qualidade e se preocupa com o impacto disso na vida dos seus clientes. Além da qualidade do “vício”, é importante também estimular o equilíbrio entre o prazer momentâneo e a satisfação de se aproveitar o que tem. Muito se fala sobre “Gratidão”, mas vai além disso. Não é apenas agradecer, mas estimular seu corpo a produzir as substâncias corretas.

Leia também: FOBO – o problema da vez

Aqui & Agora

O Professor Daniel Z. Lieberman, em seu livro Dopamina: a molécula do desejo, fala sobre as moléculas do A&A, Aqui & Agora, que são responsáveis pelo sentimento de aproveitar o momento, de desfrutar o momento.

As moléculas de A&A são:

  • Serotonina – responsável por humor e ansiedade;
  • Endocanabinóides – responsável por felicidade e deleite;
  • Ocitocina – responsável por conforto e vínculo;
  • Endorfina – responsável por prazer e satisfação.

A liberação das moléculas de A&A dependem do nosso esforço.

Dormir bem, ter uma boa alimentação, estar presente e participativo para construir relações com as pessoas próximas a você, fazer exercícios físicos. Por lógica, tudo que depende do nosso esforço torna mais fácil que a Dopamina tome conta e nos conduza por um caminho de prazeres rápidos e furtivos.

Desse modo, aqui nasce um possível paradoxo.

Estimular que seus clientes tenham melhores experiências de A&A implicam, diretamente, em produzir menos Dopamina. Com isso, você fica menos suscetível aos impulsos e compulsões que estamos expostos.

Do lado das marcas, será que estão dispostas a abrir mão de parte do faturamento por lutar contra comportamentos tóxicos de consumo? Será que conseguem sustentar suas estruturas de negócio sem depender do vício – a qualquer custo – dos seus clientes dependentes? Será que uma marca viciante também pode ter responsabilidade?

Tudo é uma questão de equilíbrio

Sou um entusiasta do resultado, do lucro, do investimento, de prosperar com base no mérito e no valor da nossa entrega.

Do mesmo modo, isso não me afasta do mesmo entusiasmo na defesa de um capitalismo consciente, que ganhe dinheiro com a solução de problemas mas que não explore fraquezas e vulnerabilidades que, muitas vezes, são exploradas de forma inconsciente.

É necessário frisar que também sou favorável ao livre mercado e, principalmente, ao livre-arbítrio. Pessoas são livres para tomar as decisões, mas reflito:

Se as decisões são emocionais, as pessoas conseguem racionalizar o que é melhor para elas?

Como tudo na vida, é uma questão de equilíbrio.

As marcas precisam da Dopamina para estimularem a ação em direção ao consumo, mas também se beneficiam das A&As para gerar encantamento, experiência, conexão, memórias afetivas e felicidade genuína. A marca que só se utiliza da Dopamina para ser viciante e nada mais, cai num lugar bastante perigoso.

Por fim, nosso cérebro não produz esse mix à toa. Vence o jogo quem domina a equação. 🙂

Adoraria ouvir seus pensamentos sobre essa reflexão.

Fico aberto a trocarmos ideias e experiências pelo [email protected].

Até a próxima.